domingo, 30 de janeiro de 2011

Melhor referência a Neymar é o espelho

Wagner Vilaron - O Estado de S.Paulo
Sábios e filósofos costumam dizer que, para ver um homem com medo, confronte-o com algo desconhecido. O futebol parece lhes dar razão. Impressiona a necessidade que o meio esportivo e a opinião pública têm de apelar para as comparações sempre que algum talento desponta. Parece que não aceitamos que novidades possam surgir. Queremos sempre associá-lo a algo que já conhecemos, a alguma referência que compreendemos. E quando o tema é futebol, não tem jeito, a criatividade é zero e os nomes escolhidos como referência são sempre Pelé e Maradona.
Neymar é o atual alvo desse fenômeno. Desde 2009, quando apareceu, tímido ainda no Santos, o garoto já mostrava que era diferenciado. Pronto, um prato cheio para quem gosta de fazer comparações. A primeira referência utilizada foi Robinho. Fosse pela facilidade do drible, fosse pela origem na base do Alvinegro, ou até pela (nada a ver!) semelhança física. Não importava. O que valia mesmo era buscar argumentos que indicassem que um chegaria perto de ser uma espécie de clone do outro.
E aqui em Tacna, no Peru, onde tenho o privilégio de acompanhar a trajetória de seleção de Ney Franco, a situação não é diferente. As mesmas pessoas que antes buscavam comparar Lionel Messi a Maradona e Pelé hoje se curvam diante do atacante santista. Ao desembarcar em terras peruanas, Neymar despertava curiosidade. Porém, após os quatro gols marcados no Paraguai, vitória do Brasil por 4 a 2 na estreia do Sul-Americano, o garoto passou a ser chamado de tudo: "Neymaradona", "Messi brasileiro", e por aí vai.
É óbvio que tudo isso está associado às grandes atuações que teve no ano passado e, agora, no primeiro jogo do Brasil na competição. Bastará a famosa e absolutamente normal oscilação de rendimento dar o ar da graça para o discurso mudar. Por isso, peço licença aos amigos para cometer uma ligeira incoerência. Após tanto criticar as comparações, me permitirei fazer uma.
Não acho que o estilo de jogo de Neymar se assemelhe a nenhum desses nomes comumente citados, embora o pai do craque goste de dizer que o futebol do filho lembra o de Garrincha, pela facilidade do drible e por jogar pelos lados do campo. Aliás, Neymar concorda com essa ideia.
O que faz esse garoto lembrar grandes craques da história do futebol não é o estilo de jogo, mas sim seu comportamento no campo. Neymar é consciente do talento que tem, que faz o futebol parecer fácil de jogar. Por isso, não se esconde quando o jogo está difícil. Muito pelo contrário, sabe que naquele momento é ele quem precisa decidir. E pede a bola, sem a menor cerimônia. Já tinha percebido isso em jogos do Santos, mas confesso que nutria aquela dúvida se pela seleção brasileira algo poderia mudar. Pois é, parece que não mudou. Até gol ele fez quando estreou pela seleção principal, vitória sobre os Estados Unidos, jogo que também marcou o início do trabalho de Mano Menezes no comando da equipe.
A habilidade de Neymar, aliada a uma certa dose de petulância e sadismo em relação aos adversários (características também tão comuns em jogadores diferenciados), leva seus marcadores à loucura. Por tudo isso, ele será invariavelmente caçado no gramado, como ocorreu diante dos paraguaios. E como o craque respondeu? Pedindo a bola e aplicando mais dribles. Aos 18 anos, Neymar ainda fará muita besteira na vida, mas dentro do campo dá sinais de amadurecimento. Quer dizer, até a próxima expulsão.
Portanto, faço um brinde a Pelé, Maradona, Messi, Rivellino, Gérson, Zidane, Zico e a tantas outras estrelas que fizeram e fazem a história do futebol mundial. Mas prefiro que Neymar seja, a cada dia, mais parecido com Neymar.

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